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Sobre a imposição do perdão

Foto do escritor: Cláudia CasavecchiaCláudia Casavecchia

                Atrevo-me a discorrer sobre um tema extremamente polêmico e digo atrevo-me, pois ainda não encontrei em nenhum tratado suficientemente dialético, qualquer reflexão profunda e significativa sobre o tema. Nietzche, sendo o filósofo mais ousado e de certa forma, “contemporâneo”, foi um dos únicos pensadores da história a discutir o “perdão”. Ele, que colocou em cheque toda a moral cristã, nos trás a possibilidade de encontro com a verdadeira ética, aquela que encontramos quando nos libertamos de toda e qualquer moral imposta por autoridades ou instituições de poder que nos condicionam, aprisionam e nos conduzem à direção de seus principais intentos: nos manter sob à égide de dogmas e sistemas fechados, que impedem o desabrochar do pensamento crítico e nos reduzem à seres inanimados, reprodutores de sentenças, que regem todo o sistema social vigente.


                Cabe salientar que, Cristo e cristianismo não são a mesma coisa. Jesus Cristo, quer divino ou quer-se humano, foi um indivíduo único que transformou a história ao expor à humanidade o seu ser real. Ele não impôs nada a ninguém e nem ao menos criou qualquer norma de conduta. Se eu disser, que foi um revolucionário, certamente me atacarão as mesmas pedras que ele disse que nenhum ser deveria jogar em qualquer ser humano. Sim, revolucionário, pois sua personalidade revelada ao mundo, em forma de novo conhecimento, elevou o paradigma social a um novo patamar. Porém, se sua palavra ainda vive, podemos dizer que infelizmente, muito pouco se aprendeu acerca de sua “pedagogia”. E afirmo que, ele foi morto, por desafiar o sistema de crenças da época. Foi pregado numa cruz pesada, que carregou a sós, por ser divergente. E assim, cruzadas, fogueiras, torturas, ditaduras, presídios e instituições psiquiátricas ao longo da história, reproduziram não o conhecimento de Cristo. Mas o velho interesse dos contemporâneos de Jesus... pelo poder, através da opressão do povo.


                Uma das frases mais marcantes de sua explanação foi a última: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.”. Gesto nobre e soberano de um espírito sábio, grandioso e liberto. Se era Deus na Terra, se era filho e Deus ao mesmo tempo, depois de dois mil anos não temos ainda embasamento suficiente para compreender. Eu, pessoalmente, não perco tempo com temáticas sob as quais meu pensamento ainda não alcança. Tensão desnecessária. Prefiro pensar na sociedade, do que num céu que apenas vislumbro. Somos humanos, vivendo na terra. Se somos também espíritos, vindos de algum lugar distante, não será esse nosso laboratório? Não me detenho em especulações. Mas me abro para elas.


                O que fazemos, de acordo com a visão de Jung e muito bem fundamentada por Emma Jung, em sua obra Anima e Animus (Pensamento,2024) é limitar o pensamento ao julgamento. O masculino, no homem e o Animus na mulher é o responsável por pensar ou produzir e reproduzir julgamentos. E estes, não são pensamentos. Isso sempre ocorreu na história. Quem pensava eram as instituições, os filósofos e os homens livres. Os demais, obedeciam cegamente e perpetuavam suas crenças, irrestritamente. E assim, até hoje somos condicionados por sentenças muito mal compreendidas acerca de nós mesmos, nossa conduta e visão de mundo, que se arrastam por séculos.


                Há muito conhecimento desenvolvido em diversas searas. Todavia, a escola, que originalmente foi criada para transmitir a herança cultural às crianças e jovens, se limitou à determinados conhecimentos em detrimento de outros. Por exemplo, a filosofia, que foi banida do currículo escolar. Quem definiu o conteúdo pedagógico das escolas na sociedade? Com quais interesses? Desenvolver o pensamento? Ou sufocar um tenro sujeito em construção, à conhecimentos que nem mesmo ele entende, para quê lhe servem. As igrejas, reproduzem dogmas, com o intuito de trazer conforto ao sofrimento, com base na culpa e no medo de um Deus, que o próprio Cristo já desmistificou.


                É plenamente incoerente, a interpretação dos ensinamentos de Jesus, sem o diálogo psicológico e histórico-social. São frases, carregadas de símbolos e interpretadas à luz de uma instituição que ainda utiliza o sofrimento de Cristo para punir os homens, para mantê-los submissos. Não foi ele quem disse: “Vois sois Deuses.” Ou “Brilhe vossa luz!”. Para piorar a situação, disse que “se seus olhos forem bons, o seu corpo será luz”. E o que mais vemos, devido ao julgamento cego... é a crítica ferrenha dos cristãos, para com qualquer outro indivíduo que aos seus olhos obscuros, pensam que sabem mais e condenam àqueles que, Jesus em sua maestria, já libertou.


                Assim, finalmente, o tema: o perdão. Uma das coisas que mais vejo em minha prática clínica é dificuldade de acesso aos sentimentos honestos de um ser humano, devido à réplica cega do dever de perdoar e ser bom. Então, quando lhes pergunto: “essa pessoa, que você deveria perdoar, te pediu, sequer, desculpas?”. E a resposta é quase que sempre: “não”. Então, baseada na ideologia cristã, questiono: “qual foi o único mandamento de Jesus?”. Amai ao próximo, como a si mesmo. Vamos inverter? Amar a si mesmo, para amar o próximo. Quem ama a si mesmo, não perdoa sem sentir. Não perdoa sem refletir. Não perdoa a qualquer preço. Não perdoa, porque se impõe esse gesto, a qualquer custo. E então, toda as dores que nos fizeram sentir, continuam vivas... num plano que se tornou inconsciente.


                Eu sempre me pergunto, por que eu deveria perdoar uma pessoa que nem sequer pediu desculpas ou demonstrou a humildade de seu arrependimento?  Por que é geralmente é tão difícil pedir desculpas? Primeiramente, porque quem erra precisa entrar em contato com três, dos sentimentos mais difíceis: a culpa, a vergonha e o remorso. Por se tratar de sentimentos e não de emoções que explodem e desaparecem, eles persistem. E então o algoz, sem querer redimir-se de seu orgulho e arrogância, foge de si mesmo e daquele a quem machucou. Assim, relações de longa data ou de profunda intimidade e entrega, se desfazem ao sopro do vento. Quem está disposto a descer ao subterrâneo e encontrar suas raízes? Em nossa era, quase que ninguém. A vida se faz extremamente superficial e a maioria do rebanho segue hipnotizada pelas novas leis que controlam os indivíduos: as redes sociais, os novos gurus, os coaches, os espiritualistas sem consciência biopsicossocial e a medicina.


                Assim, é muito mais fácil projetar a própria culpa, no outro e culpabilizá-lo, justificando as próprias e boas intenções. Quem quer olhar para a própria sombra e encontrar em seus recônditos: a inveja, o orgulho, a arrogância, os preconceitos e preceitos e imperfeições? Não devemos ser todos perfeitos, à imagem e semelhança de Deus? E assim, o dever de sermos perfeitos nos assola. E esquecemos, que na realidade, perfeição significa algo em movimento. Do latim, per fare: por fazer. Nada está completo e acabado. A história, se desenrola há milhares de anos. E sempre, se aprimora. Porém, se os indivíduos deixam de questionar seus próprios julgamentos... corremos o risco da reificação e da alienação e consequentemente, da autodestruição.


                Me parece, todavia, que a sábia manifestação de uma ordem maior e sim, perfeita, mantém um equilíbrio no cosmos. A duras penas. Desastres naturais, pandemias, guerras de teor mundial e batalhas cotidianas e invisíveis. Assim, podemos dizer que o despertar para um novo patamar de consciência, vem irremediavelmente, através da dor. Daquela, que nos assola sempre. E da qual, queremos fugir. De muitas e muitas, formas. Nascemos, num parto doloroso. E belo. E esquecemos, que a dor, tem uma função. Assim, como todos os sentimentos e emoções. Mas nos relegamos ao conforto das águas paradas e nos desviamos das quedas das cachoeiras que produzem imensa energia e transformação. Basta observar as hidrelétricas, que o homem divino foi capaz de construir. Aeronaves e bombas atômicas, capazes de destruir um planeta, que jamais serão capazes de replicar. Ou não.


                Então, me pergunto... qual o propósito de tudo isso? Não haverá? Então, por que amamos? Por que sofremos? Por que criamos? Por que temos em nós um cérebro infinitamente capaz e um aparelho reprodutor que cria outros universos únicos? Para acordar e viver como uma planta? Que nasce, cresce, reproduz-se e morre? E ainda serve mais que o homem comum.


                E para finalizar, devo dizer que o Cristo, rogou a Deus que perdoasse aqueles assassinos. Deus, infinitamente bom e justo. Podemos ser Deuses, não é mesmo? Mas já somos? Ou somos humanos, demasiadamente humanos? Honestamente, falta muito, para sermos apenas, humanos. Somos muito mais parecidos com um parasita. Essa evolução de consciência só é possível por meio do autoconhecimento e do conhecimento. Profundamente explorados. Não é o conhecimento raso que se faz pela reprodução de frases prontas e obsoletas. Que não evocam, qualquer questionamento. Pensar é desconfortável. Sentir, é deveras pior. Todavia, se queremos viver o florescimento e brandura da primavera, bem como a alegria do verão... não podemos subestimar a importância do outono e do inverno. A vida, só é valorizada porque vamos morrer.


Todavia, no mundo contemporâneo, não mais vivemos. Apenas, evitamos a morte e o sofrimento. A intensidade do viver, depende de saber descer e de saber subir. De aprender a mergulhar e de saltar. De ser capaz de andar para frente, para trás e para ambos os lados. De correr, de dançar, de parar, de explorar seus movimentos múltiplos. E hoje, nosso corpo se reduz a um esqueleto e de couraças musculares enrijecidas, repletas de creatina e proteína. E depois de inflamado, par se manter em pé, fica sentado, rolando o dedo indicador e divagando nos sonhos alheios. Artificialmente, realizados. Tem sentido, a sua vida?

 

 
 
 

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