Para compreendermos os transtornos mentais na perspectiva Junguiana e
Montefoschiana, é preciso partir do entendimento de alguns conceitos básicos,
propostos por Jung:
Função Anímica: é a função coordenadora do mundo interno. Nos permite
acessar, conhecer e administrar nossa vida interior, sendo uma ponte de acesso
ao inconsciente. Para Montefoschi: "É a função através da qual os processos
inconscientes entram no campo da consciência. Corresponde a atitude que o
indivíduo assume com relação àquele Não-Eu interior que age dentro dela.”.
Diz respeito à VIDA PRIVADA. No Homem, é chamada de Anima e na mulher,
Animus.
Persona: função através do qual o eu relaciona-se com o mundo externo,
fazendo uma ponte entre o eu e o mundo. De acordo com Montefoschi, a
persona: “corresponde a atitude que o sujeito assume em resposta a cada
situação dada para agir sobre o ambiente e se adaptar a ele mediante um papel
adequado ao coletivo no qual ele atua.”. Seu nome, título, cargo que ocupa. Diz
respeito à VIDA PÚBLICA.
Na atitude privada se exprimem todas aquelas características da personalidade
que não tem espaço no papel assumido pela persona, ou que até lhe são
contrárias, mas devem também atuar numa mesma direção: o devir individual da
personalidade, já que quando o homem se identifica somente com uma das
duas funções, seu devir é bloqueado.
Individuação: processo que consiste na capacidade perene de dialogar com o
inconsciente, criando uma nova síntese, onde o eu liberta-se progressivamente
dos conteúdos da coletividade e se reinventa como sujeito no mundo.
Neurose: uma forte tendência individuativa, cuja cura consiste em realizar o
processo de individuação.
Assim, para Jung, saudável é o sujeito comprometido com o seu processo de
Individuação e portanto, capaz de sustentar a dialética entre consciente e
inconsciente, ou seja, entre as condições incorporadas pelo eu em convivência
com a sociedade e as novas informações que surgem de maneira genuína, no
interior do Ser. Será preciso desenvolver também, a capacidade de lidar com a
tensão gerada pela exigência de sua autotransformação em contradição com a
necessidade do cumprimento das normativas sociais. Tais contradições são a
base para a construção de uma nova maneira de ser, de inserir-se no social e
de transformá-lo.
Para Montefoschi: Sanidade é a capacidade de se libertar progressivamente do
preconceito coletivo. Dessa forma, se entendemos por sanidade a manutenção
do diálogo entre consciente e inconsciente, o adoecimento mental coincide com a
interrupção desse diálogo e com a parada do devir do homem em um conflito
insolúvel entre duas tendências opostas: de um lado o impulso transformador
que se torna autônomo justamente porque foi rejeitado e do Eu que se enrijece
sempre mais, na defesa.
Para Jung além dos sintomas neuróticos ocorrerem devido às causas do
passado, também contém as tentativas de se retomar a vida em uma nova
direção, tentativas essas, que fracassaram por fatores desfavoráveis interna e
externamente, não se desenvolvendo corretamente. O autor acrescenta ainda
duas considerações acerca da neurose, a causal e a finalística. A primeira é
uma consequência da escolha em recusar os conflitos inerentes ao processo
individuativo. A segunda é o sentido de urgência de se retomar esse caminho de
desenvolvimento.
O que sustenta o comportamento neurótico é o desequilíbrio entre duas funções:
Persona e Função Anímica. Dessa forma, o indivíduo que possui a Função
Anímica subdesenvolvida não se sentirá capaz de sustentar a conflitualidade
provocada pela dialética do Eu com o Não-Eu e irá fortalecer ainda mais a
Personalidade, identificando-se com o papel social que lhe foi atribuído. Ou seja,
quanto maior a identificação do sujeito com a persona, mais atrofiada se
encontra a função anímica.
Por isso, para Montefoschi o distúrbio primário é a falha no desenvolvimento da
Função Anímica, o que acarreta uma compensação que alimenta
demasiadamente a Persona. Por não se sentir capaz de controlar suas pulsões,
o indivíduo passa a depender de uma sustentação externa, uma figura protetora
e autoritária que determina um modelo comportamental de ação socialmente
aceito, que o sujeito acata para se manter. Tal identificação do Eu com a
Persona se torna um imperativo correspondente à noção Freudiana de
Superego.
A função gratificadora dessa imagem representa o complexo materno e as
normas comportamentais sugeridas por ela, constituem a autoridade materna, já
a função protetora que o mantém numa condição de submissão, defendendo-o
da desordem instintiva que ele não sabe controlar, constitui o complexo paterno
e suas ordens e vetos lhe impõem a autoridade paterna.
Para Freud, o Superego na estrutura do Eu, não poderia ser superado,
tornando-se indispensável para a vida humana. Para Montefoschi, ao contrário,
essa instância autoritária representa a persistência de uma condição de
imaturidade do Eu. Essa autoridade coincide com o poder que a estrutura social
exerce sobre o indivíduo: satisfazer as suas necessidades, controlar e reprimir
toda a manifestação individual da existência.
Enquanto o sujeito se mantiver bem adaptado às exigências sociais que deverão
ser cumpridas para a manutenção da persona, conseguirá controlar ou sufocar
as exigências de transformação da personalidade e não será necessariamente
um neurótico, mas um sujeito adaptado ao coletivo, que não conhece o
significado individual de sua existência. É somente quando suas pulsões
rompem os esquemas que ele incorporou como verdade, que a neurose surge.
Quando essa força inconsciente se manifesta, questionando sua estrutura de
vida, ele terá que ser capaz de sustentar a crise propulsora da transformação.
Contudo, se a função anímica estiver subdesenvolvida, não se sentirá capaz de
suportar a conflitualidade imposta por tais questionamentos. Devido à
identificação de sua identidade total com a Persona, questionar esse modelo
representa perder a noção de indivíduo, pois geralmente, a sua autovalorização
está vinculada ao seu papel social (persona), e para romper com essas
estruturas, o indivíduo perderia toda a referência do que lhe dá um valor próprio.
Assim, os sintomas neuróticos surgem, numa recusa de enfrentamento dos
padrões institucionalizados. Por isso, quando Jung afirma que é a neurose que
nos cura, refere-se à recuperação da função anímica e é somente através da
compreensão da finalidade do sintoma neurótico, ao lhe darmos um sentido,
que se dará a libertação da coação à repetição denominada, cura.
Portanto, compreendemos que os transtornos mentais se originam quando o sujeito, por
identificar-se demasiadamente com o papel que representa no mundo,
sustentado pela necessidade de aprovação social, é incapaz de acessar os
conteúdos rejeitados pelo consciente e que estão vivos em seu inconsciente,
espontaneamente ávidos por expressão. Como a função que media a
comunicação entre esses dois polos é subdesenvolvida, o sujeito não se sente
capaz de compreender e sustentar essa tensão que o acomete de maneira
assustadora.
Dessa forma, a neurose surge, como tentativa de bloquear a
erupção de conteúdos incompreensíveis e incompatíveis com o que se conhece
e assim, seguir buscando novamente adaptar-se à normativa social. Contudo, a
cura, consiste em abrir-se a essa conflitualidade desconhecida, para criar novas
sínteses, retomando o processo de individuação.
Cláudia Casavecchia
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