Há um lugar seguro nas encostas das montanhas solitárias. Um lugar onde é possível respirar profundamente, em profunda conexão com aquele algo grande que habita em cada um de nós e que nos faz sentir conectados com esse algo grande que existe fora de nós: a "anima mundi", a alma do mundo. Há uma necessidade imanente de pertencimento. Todos queremos pertencer. Todos lutamos para pertencer. Que necessidade é essa? Do que queremos fazer parte? Podemos nos sentir inteiros, vivendo à parte? Se pudéssemos, por que essa pulsação existiria tão constante? A nos levar para dentro e para fora, tal qual onda do mar incessante?
É preciso se sentir parte do todo. Sem essa experiência, falta em nós uma ponte. E faltantes, haverá sempre uma busca intermitente, interminável, ansiosa, angustiante. Porém, para habitar o todo, como a onda do mar quando recua, precisa se dar conta de si. Precisa sentir e sentir e sentir de onde vem o mal-estar que me visita. O que está torto aqui dentro? O que não me cabe? Onde ainda me adultero para caber no todo? Porque esse esforço, me dissipa. E se me dissipa, não me integro e se não me sinto inteiro, não serei capaz de habitar o grande Todo.
Penso, que somos no fundo, como uma pecinha única de um gigantesco quebra-cabeça. Há algo que nos chama. Mas esse algo, chama aqui dentro. Você se perde, ouvindo as muitas vozes que te chamam lá fora. Te seduzem, fazem você acreditar que há uma maneira de fazer parte. Elas vão te dizer, como. Mas esse como, é tão seu. Você é uma peça única. Não há nenhuma pecinha igual. há peças que parecem mais grandiosas, mais belas, mais capazes. Mas a questão não é sobre quem está mais certo. A questão é sobre descobrir todos os ângulos e todas as facetas da pecinha que você é. Isso te faz você. E ser você, inteiramente, é suficiente. Sim, você será capaz de contribuir com o processo do mundo. À sua maneira. Porque descobrirá a sua forma.
Ao sentar-me embaixo de uma árvore muito antiga, num local sagrado nas encostas das montanhas, sinto em meus pulmões o doce alento que sustenta todos os mundos e essa integração de dentro e fora, me faz sentir tão grande. De uma grandeza, que não quer impressionar. De uma grandeza silenciosa e humilde. Uma grandeza que passa por mim e que também sou eu. Sou parte. E para fazer parte, devo partir e não me partir. Devo parir o novo em mim e não repetir. Devo desenvolver em mim mesma, a paciência de uma mãe que acolhe e sustenta e de um pai que dá limites e orienta. Para alcançar com calma, a alma, que silenciosamente fala ou que frequentemente grita. A alma, que se apraz com tão pouco e que deseja viver. A alma que não pode ser fotografada, nem tampouco vangloriada. E que se esconde, toda vez que o ego procura um holofote para tentar encontrar uma forma de se aparecer, porque quer pertencer. Essa forma, pode não ser a sua. E se não for a sua, você não irá caber. E se frustrará, porque o verdadeiro desejo de pertencimento, não foi concretizado. E continuará procurando, no lugar errado.
O chamado, não vem de um letreiro luminoso que seduz o ego que procura por algo, que o faça pertencer. O chamado, vem através da voz da alma, que clama aprisionada na escuridão da noite e que silenciosamente prepara, um novo dia. O problema, é que queremos ver nascer o sol e ver brilhar a luz que ilumina e clareia, sem atravessar a noite escura. Sem atravessar a noite escura da alma, não haverá saída. Por que ali, na escuridão que ninguém habita. Na escuridão que ninguém deseja. Na escuridão que a cidade acende com clarões de artificialidade pura, nas lâmpadas dos cassinos, das baladas, nas telas que te apagam, esconde-se a luz mais pura, que todos procuram, mas que não querem ver.
Se eu der as costas para o mundo, como vou sobreviver? E fico aqui, me podando, me rendendo, me tentando, me cabendo, me forçando para caber. E se fujo e repito que não quero fazer parte, novamente me aprisiono. Por que o mundo, sou eu também. E no meio dessa confusão que me consome, não vou e nem fico. Nem morro e nem vivo. E esse meio termo me faz ao meio. E novamente, não sou inteiro. Qual o caminho, qual o caminho?
Pra ganhar dinheiro? Ou pra ser inteiro? Se eu sigo o caminho que me apontam, para ganhar dinheiro, deixo de ser inteiro. Não. Quero mesmo é ser inteiro. Ser inteiro, é também caminho pra ganhar dinheiro.
E por quê? Por que nesse caminho, ganhar dinheiro não é a meta. Sobreviver não é a meta. A meta é ser inteiro. A pecinha que se encaixa no grande todo, não se esforça para se encaixar no modelo de mundo, mas se encaixa em si-mesma e se encaixa no Todo. Não há nada mais potente que esse Todo. Toda potencia criativa vem daí. E isso não acontece sem trabalho. Sem dúvida. Mas consiste num trabalho que vem de dentro. Num trabalho que consiste em construir caminhos para deixar o ser-vir. Em criar pontes entre dentro e fora. Pra trazer ao mundo, o que o revigora. O caminho é ouvir a cada instante essa voz. O caminho é seguir em frente, mesmo que a escuridão te traga medo. Até ouvir o cantar da manhã que acorda e que contigo, renasce. Sim, eu faço parte.
Cláudia Casavecchia
(Prosa poética do livro em construção: Do caos nascem estrelas)
Comments