Relato de um plano mensal de atendimento Terapêutico Ocupacional L.A.S, sexo masculino, 10 anos. Apresentava TEA, nível de suporte três e Síndrome de Down. Seu comportamento e funcionalidade haviam se desenvolvido exponencialmente, após iniciar as sessões de terapia ao ser diagnosticado como pessoa autista, aos três anos de idade. Com relação à fala, ele apenas esboçava algumas palavras, significativas para ele.
Suas atividades favoritas eram: equoterapia, música e culinária, sendo a equoterapia, a sua atividade sustentáculo. Suas principais dificuldades eram: comunicação e linguagem, interação social e realização das atividades de vida diária. O plano terapêutico contemplava todas as necessidades da criança, e cada objetivo era trabalhado de acordo com a rotina a ser seguida e o estado psicológico em que ele se encontrava.
Segue um breve relato dos atendimentos semanais, realizados durante um mês. 1º atendimento: de acordo com os pais, L. começou a apresentar um comportamento estereotipado desde que eles começaram a lhe ensinar a comer de garfo e faca. Tal ação, não foi previamente compartilhada, mas como a coordenação motora dele havia melhorado e os pais desejavam muito que ele comesse com talheres nos restaurantes, tentaram introduzir essa etapa na atividade da alimentação.
Cabe salientar, que no início da terapia ele só comia alimentos sólidos e pastosos, com as mãos. Iniciamos o treinamento de coordenação motora, através da pintura e posteriormente, ele começou a comer com uma colher. Acolhi o desejo dos pais e expliquei que essa atividade, como todas as demais AVD´s exigiriam etapas a serem cumpridas, de acordo com habilidades a serem desenvolvidas. Expliquei que nesse momento, seria interessante nos restaurantes, que ele pudesse comer um alimento que exigisse apenas as mãos, como um lanche ou algo em que pudesse utilizar a colher. Enquanto isso, treinaríamos com os demais talheres.
A esteriotipia consistia em permanecer de cócoras, batendo com as duas mãos no chão, um garfo e uma faca sem ponta. Compreendendo o contexto onde a desregulação se iniciou, convidei o menino a trocar os talheres por baquetas, de uma bateria que ele gostava muito. Permiti que ele batesse, enquanto fui entoando canções que ele gostava e que já havíamos treinado em outro período. A música lhe organizava, sempre. Aos poucos, trocou o chão pela bateria.
2º. atendimento: os pais não lhe impuseram mais nenhum hábito alimentar e deixaram que ele ficasse à vontade durante aquela semana. Para reintroduzir a colher, fizemos uma sobremesa de abacate que ele adorava. Trabalhei planejamento e função executiva, auxiliando-o a memorizar os passos da preparação daquele alimento, que ele estava aprendendo a preparar sozinho.
Estruturei a atividade, adaptando-a às suas necessidades e de acordo com as suas possibilidades e sempre que possível, acrescentava um novo passo. Exemplo: ele cortava o abacate ao meio (com bastante dificuldade) tirava a polpa com a colher. Amassava com o garfo e misturava mel e cacau. Como se sentia mal, quando a fruta respingava em seu corpo, ou caia no chão, ensinei-lhe a se limpar com um lenço umedecido que ficava sempre à disposição e ele podia utilizar o lenço também para limpar qualquer superfície. Depois de preparar o alimento, ele conseguiu utilizar novamente a colher, que era sempre a mesma e que por isso, tinha três iguais. Durante a semana, orientei os pais a lhe auxiliarem nessa tarefa, sempre que ele desejasse o alimento.
3º. atendimento: como L. voltou rapidamente a utilizar a colher, iniciei o treinamento com a faca sem ponta através de uma atividade que ele adorava. Era dia de equoterapia e ele adorava dar comida aos cavalos. Então, auxiliei-o a preparar o alimento do animal. Verifiquei com a equipe, os vegetais que poderiam ser oferecidos e comecei com o mais fácil. O primeiro passo, era aprimorar o uso da faca. Iniciamos um movimento parecido, na bateria. Como esse movimento, já estava refinado, mostrei a ele como fazer algo semelhante com os braços. Com uma mão segurou uma banana e com a outra, foi aprendendo a fatiar. Não foi fácil da primeira vez, mas lhe auxiliei e o objetivo final foi alcançado. Ele levou a própria comida do cavalo, preparada por ele. O resultado foi muito satisfatório e ele se concentrou nessa atividade por algumas semanas.
Continuamos com a atividade da fruta, que foi melhor desenvolvida. Pedi aos pais que o deixassem treinar com a banana ao longo da semana e somente quando esse processo se tornou adequado, passamos para o morango, por ser uma fruta menor. Acrescentamos o uso de um garfo de plástico (segurança) escolhido por ele numa loja de brinquedos infantis. Durante a semana, ele treinou comer com o garfo, os morangos que cortava.
4º. atendimento: a gradação dessa atividade só foi possível, porque houve motivação, a partir de uma experiência agradável para ele na equoterapia. Essa tornou-se sua atividade sustentáculo. Dessa forma, adiante. Passamos para o abacaxi, já fatiado e posteriormente para a maçã, desde o primeiro corte. No final do processo, ele estava cortando e descascando cenouras para o cavalo e comendo as frutas cortadas por ele, com o garfo.
Coordenar o garfo e a faca, foi nosso próximo passo. Observamos com esse relato, a importância de pautar nossos objetivos no que é essencial para a criança, a experiencia significativa, que nos permite o desdobramento de comportamentos adequados, pois mantém o sistema nervoso atento e desperto à proposta. Como essa atividade lhe gerou potência, mas exigiu dele a concentração, não foi preciso em momento algum, contrabalancear o processo com nenhuma outra prática que lhe trouxesse regulação para uma possível euforia desmedida.
Esse trabalho foi fundamentado pela teoria e prática da Integração Sensorial de Ayres e dos pressupostos da AOTA (Associação Americana de Terapia Ocupacional).
Cláudia Casavecchia
(23705-TO)
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